Sunday, July 08, 2007

Nove Horas

Começou a nona hora

O transito piorava a cada dia. Um engarrafamento atrás do outro. A poluição na cidade aumentava (e o efeito estufa também, mas isso não é o assunto desse conto) e a saúde das pessoas estava piorando.
O homem se dirigia para mais um dia de trabalho. Estava estressado, era quarta-feira, o pior dia da semana, principalmente para um cara como ele que não gosta de futebol. E havia a faculdade, e tantas outras coisas a se fazer.
As vidraças do prédio gigante refletiam os raios solares cheios de seus ultravioletas, infravermelhos e aquelas outras coisas. Ele havia se esquecido desses nomes, embora achava mais interessante que a taxa de câmbio da bolsa de valores.
E as estrelas de hélio... e de que mais eram feitas? Chumbo? Bits de informação?
(Bits de informação?)
Ele não lembrava, mas ultimamente qualquer coisa fazia sentido.
Chegou ao trabalho e recebeu uma ligação.


Foi ao enterro.

E ele chorou no enterro. Talvez tenha sido o que mais chorou. E a quarta feira estressante tornou-se mais cinza, uma cor de fuligem, uma cor de fuligem enferrujada no fundo de uma sala escura e fria. E dolorosa. Uma sala de tortura.
Talvez seu amor não seria visto mais nessa vida.

Ele chegou em casa e encontrou sua sobrinha, com cinco anos. A cara dele estava péssima, notoriamente tinha chorado muito, e a garotinha perguntou o que havia acontecido.
- A Paula.... ela foi viajar, Vic...
- Ela vai demorá? – a garotinha perguntou, e ele não conseguiu segurar as lágrimas e chorou ali na frente dela... E na voz embargada, respondeu.
- Sim... Talvez um bom tempo... Mas eu ainda vou encontrar... só estou fraco por ela ter ido hoje...
- Que pena... – e a garota realmente parecia triste com isso. De repente, ela se animou com alguma coisa.
- Você ta fracu? Se quiser, eu te dô um poquinho de força...
O homem ainda derramava umas pequenas lágrimas em frente a garotinha, e não sabia como responder. Ele fez um sim com a cabeça.
- Me dá sua mão. – ela disse e ele assim fez.

E a garotinha segurou a mão dele, e era um toque diferente. Era algo que não tirava a tristeza da situação, porque algumas tristezas devem ser vividas, mas dava um sentimento de conforto, apesar de tudo.
Um tempinho se passou, e ela perguntou: “Qué mais um poco? Eu tenhu bastanti” e ele fez ‘sim’ com a cabeça. Ela segurou a mão dele mais um pouco, até que ele a soltou. Ela o abraçou e ele disse que precisava se deitar um pouco e ela aceitou.

E ele foi chorar e pensar.



Sentou no quarto, a luz acesa. Pegou seu caderno no armário. Há quanto tempo não escrevia?
Sentia-se muito bem escrevendo, mesmo no momento derradeiro. Ele tinha prazer em simplesmente conseguir descrever com detalhes uma situação; era como saber que podia manipular a mente de alguém através de pequenas palavras por um só momento, porque ele conseguia (ou sentia que conseguia) transportar a pessoa para aquele momento que ele escrevia.
E agora deveria ser sua última caligrafia. Sua última tentativa de transportar alguém para outro lugar. Um lugar estranho que ele chamava de ‘Sua própria mente’, por outras vezes chamava de Dogan, um nome que ele tinha retirado de um livro que leu de Stephen King.

Começou a escrever. Era a última.

A última carta.

Pois embora sinto tudo vibrar ao meu redor, e as energias fluem através do espaço da maneira correta, também sinto que, sem mim, a harmonia será maior. E claro que isso não é o motivo principal. To poco me fudendo pra energia.
Todo mundo tem momentos derradeiros, e o meu não poderia ser diferente desse. Os outros costumam cair e se levantar, mas minha vida é um teatro; o drama é meu rumo, e a ascensão e a queda tem de ser equivalentes. E aqui estou! Na queda!
Porque talvez todo mundo vá ao meu enterro e chore por mim, e se lembrem de meus momentos altos, e talvez vão rir quando se lembrarem de bons momentos. Ou talvez me esqueçam, por causa dessa carta, que faz tudo parecer uma grande piada. Não é uma grande piada. É sem graça. É minha última tentativa de parecer forte e que ‘to poco me fudendo pra vocês”.
Vão me odiar por isso. Eu sei que vão. Mas eu não agüento mais. Não quero saber de vocês mesmo. Ou na verdade quero. Queria dar uma última olhada nos seus olhos. Não escreveria se não quisesse saber de vocês. Se não quisesse dar uma última palavra. Porque, afinal, a vida vale a pena; só não vale pra quem não a faz valer. E eu acho que entrei num poço que não quero sair, mas
the show must go on. Por isso, o fim dramático e trágico. E tudo volta aonde começou, embora isso não faça sentido. Não precisa fazer, você não poderá me dizer que não faz sentido. Há ha.
Eu vivi. Eu odiei tanto, e amei tanto, e acho que não há um fim melhor para esse. O suicídio é o ato final de uma vida moribunda e triste; mas por que? Suicídio é o pior modo de se morrer, talvez. Mas se eu vivi da melhor maneira possível, talvez isso seja justo. Vivi da melhor maneira possível pelas minhas mãos; e agora morro pelas mesmas. Como o
Harakiri, dos samurais.
Nota-se que também tenho medo. Divago nessas idéias sem sentido, mas porque quando acabar essa carta, acaba tudo. É estranho não é mesmo? Talvez meu maior pesadelo e, ainda assim, minha maior ajuda, será que a tinta da caneta comece a falhar. Mas acho que não, não ainda. Essas bics são muito eficientes, e esta acabou de surgir na minha estante.
Então não sei o que fazer. Agora, nesse momento. Porque escrevo pra você... e você. E você também. E ele. E nós. E por tudo que vivemos. E por você que partiu e não sei por que partiu. Não sei por que nos deixou. Talvez isso te traga de volta; talvez isso te traga tanta dor que você acabe mudando-se para meu lar do futuro próximo. Isso se houver lar. Isso se houver qualquer coisa. Mas você sabe em parte tudo que aconteceu; mas todo artista tem o direito de sair da peça, embora isso faça falta para os outros.
Tenho um pouco de medo. As coisas estão sumindo...
Eu queria dizer nesse momento final que te amo também. Ou não te amo, por favor isso.

Um Adeus.

M



- Não pise na grama, Sam.


A senhora gritou para o filho esta frase. Ele, como de costume, disse “sim” mas não ouviu direito. Tinha de correr, e brincar.
Chegou no “playground”, e lá estava sua amiga Jolly. Ela estava com um balde e outros acessórios brincando, e ao olhar ao redor notou ele ali. Seus dois olhos castanhos claros entre a franja loira tinham aquele brilho infantil e estavam bem abertos. Ela deu um pequeno sorriso e ele se juntou a ela, misturando seus brinquedos.
Passou um tempo e ela (mais serelepe que a maioria das outras crianças) apontou para a grama e falou: “Vamu pra lá? É mais legal que aqui” e ela apontou o chão de granito. Ele pensou um pouco.
“Ah, num sei... algo me diz que não devia”
“Por que naum?”
Ele pensou e viu que não havia por que, e foram brincar na grama-mais-verde-do-vizinho. O dia correu normal e voltaram depois para casa.
Sam estava todo sujo. Sua mãe foi lhe dar banho quando notou muitos pontinhos pretos em sua perna, braços, corpo. Eram micuins e ele tinha alergia. Sua mãe o levou desesperada para o hospital.
Coçava muito e, à medida que coçava, machucava. E a vontade de coçar era enorme! Por todo o corpo os bichinhos tinham se alastrado.
Chegou no hospital e, após primeiros exames, descobriu que teria de ficar internado. Isso durou uma semana.
Nesse tempo, ele se perguntava se sua amiga também tinha pego aqueles bichinhos FDPs, mas não tinha como saber.
Passou a semana, e depois de mais outros dias recebeu alta para voltar para a escola. Chegando lá viu sua amiga e perguntou como esteve e o que aconteceu. Ao fim, ela perguntou.
“E agora?”
E ele:
“Não podemos mais ir brincar na grama” e ele deu um sorriso triste ( :/ )
Ela também. Mas continuaram brincando às vezes, e voltaram outras vezes ao gramado, quando ele conseguia achar uma pomada milagrosa chamada repelente.
A sétima hora, sétimo dia, sétimo vídeo, foto, sétima vida de um gato.

Cavalos afogados de Poseidon

(Agradecimentos a JC)

Tuesday, July 03, 2007

Doze horas

Começou a décima segunda hora.

O garoto levantou da cama, assustado. Um início batido, mas que quer dizer muito. E muitos autores utilizam-no, porque a maioria de suas idéias às vezes vem dos pesadelos que eles mesmos tem...
Não conseguia ouvir direito. O ouvido esquerdo principalmente parecia tampado. Ele estava um tanto suado, embora não fazia calor. Sentia febre, e mal-estar pelo corpo todo.
Levantou-se, pondo seus chinelos havaianas e fazendo um certo barulho para abrir a porta do quarto. A luz do abajur que se localizava no corredor iluminava parcamente o redor, mas ele sabia que não podia acender a luz do teto ou outras pessoas poderiam acordar.
Tentou fazer silêncio até chegar ao fim do corredor e à sala de jantar, e, mesmo sem-sucesso, acabou crendo que não tinha acordado ninguém. Acendeu a luz da sala.
A porta estava aberta para os fundos. Não sabia quem a havia aberto, mas ela estava escancarada, e as luzes acesas. Uma fina brisa percorria agora a sala, e batia no peito desprotegido, causando-lhe calafrios mas estranhamente melhorando a sensação de febre.
Ele aproximou-se, chamando um nome. Nada. Olhou de esguelha para fora, e notou uma pequena movimentação. Chamou novamente e surgiu uma pessoa, e ele fechou a porta. De repente, notou que não encontrava seu cão.
Como para responder seus pensamentos, ouviu um latido vindo lá de fora. Um latido que dizia "Não vai me deixar aqui, vai?"
O que era aquele pesadelo? Ele se perguntava, onde estavam os outros. Começou a berrar nomes, e responderam. Responderam um atrás do outro. Ele suava mais, tremia, e sentia-se fraco e oprimido.
Acordou. Estava no hospital. Estava berrando no hospital.
Estavam respondendo para ele e ele não entendia nada.

O doce gosto do chocolate no inverno.

A mulher bebericava de uma xícara na frente de uma lareira. O inverno tinha sido rigoroso esse ano, mas não havia faltado nada, e ela podia desfrutar de goles de café misturados com o produto do cacau.
A neve caía lá fora, e ela se sentiu sozinha por um momento, com um aperto no coração. Ela queria ver o mundo lá fora, talvez. Aproximou-se da janela, sentindo as garras finas do frio mais próximas conforme se afastava da lareira. A fumaça saía do recipiente, e conforme ela olhou pela janela, tanto sua respiração quanto a fumaça esfumaçaram o vidro. O vento era forte lá fora, e um galho pendia de sua árvore.
Ela virou-se e foi até a cozinha. Iria preparar mais uma xícara.

O circo chega à cidade

É época de festa. Um grande circo chegou à cidade e montou suas barracas. Caminhões cheios de animais chegam a cada dia, e logo o espetáculo começará.
A criança olha atenta pela janela do segundo andar. Seus olhos brilham cada vez que algo novo chega ao seu conhecimento. Qual será o tempo dessa criança? Décadas, séculos, milênios atrás?
Nem ela sabe. Ela olha pela janela porque gosta. E a janela e a casa nos dizem que deve ser atual o tempo, mas nada além disso. É tudo muito estranho para nós, que vemos tudo de fora.
Os animais correm soltos...
Os animais correm soltos.
Os animais correm soltos?
OS ANIMAIS CORREM SOLTOS!
Antes que ela possa gritar, um homem é pego por um leão na rua e massacrado. Ela vira os olhos antes de ver o resto, incapaz de pegar os detalhes de toda a crueldade animal. Grita por sua mãe, mas se lembra de que sua mãe tinha saído de casa havia pouco tempo, para ir em uma venda.
Ela se lembra de sua mãe.

Sunday, July 01, 2007