Wednesday, August 29, 2007

Sessenta Minutos

tic tac tic tac tic tac tlec
(00:60:00)
(tic tac tic tac...)

Ninguém reparou que todos os relógios marcaram 00:60.


Um homem deitou-se, sem camisa, sob as cobertas. Ele era bonito, para o padrão, e forte também. Sua mulher, ou namorada, deitou-se ao lado dele, com uma camisola e nada mais. Se olharam profundamente.

Sessenta minutos.

Eles se olharam, e trocaram carícias. O homem pensava como ele amava aquela mulher, e como já tinham sido tão problemáticos. E agora parecia dar tão certo... Como as coisas deveriam ser.
Como ele olhava naqueles olhos escuros com tamanho amor. Ou ele pensava que era amor, porque ele achava que sabia, ao menos, a diferença entre paixão e amor, embora isso seja o tipo de coisa que as pessoas só costumam realmente saber aos sessenta anos de idade, isso quando realmente sabem.

Ele ja tinha pensado se um dia iria amar. Amor é uma coisa tão rara para ele, na sua cabeça, uma coisa tão deturpada, tão abusada, tão ferida... Mas ainda sim, existente, como tudo que é eterno e que pode pular gerações, como uma luz que surge do nada no meio do escuro, assim como o escuro cresce no meio da luz no apagar de uma lâmpada no meio de milhares.

Abraçou-a. Beijou-a, e fecharam os olhos, dormindo, com as testas encostadas e um sentindo a respiração do outro. Ele sonhou por minutos, com ela, com sua vida. A vida que ele jamais poderia perder.

Acordou depois de meia hora, de repente. O que tinha sonhado? Parecia que ele tinha sonhado que ela morria. Olhou para o relógio e este marcava 01:55. Estava assustado, aquela idéia parecia não poder penetrar sua mente, era muito terrível.

Ela reparou que ele tinha acordado, e perguntou se estava tudo bem. Ele disse que sim, mas ela não acreditou, e ele acrescentou que tinha tido um pesadelo, mas que já estava melhor.

Se beijaram, e voltaram a dormir.
01:59:00

Thursday, August 16, 2007

Três Horas

Começou a terceira hora

Soltou um peido alto. E outro. E outro...
Levantou-se coçando a barriga, com seus shorts de dormir esfarrapados e uma camiseta cinza desbotada com uma mancha de mostarda.
Desligou a TV, se dirigiu ao banheiro e sentou no vaso. Defecou longamente, num prazer fascinante, enquanto angariava informações em seu jornal "NotíciaJá".
Limpou o ânus; precisou até utilizar o bidê, tamanho havia sido o estrago. Secou-se apropriadamente, deu descarga, lavou as mãos como um gato toma banho, e voltou à sala.
Ligou seu Playstation 2 e ficou jogando. Horas depois, já com os olhos vermelhos, ouviu a campainha. Ao atendê-la, deu de cara com um homem de terno e pasta.
- Bom dia, senhor!
- São três da tarde - respondeu o nosso homem, com um bafo notável e uma aura de fedor saindo debaixo de seus braços - o que quer?
- Sou um vendedor! Tenho os prod...
- Perae, quem te dexo entra? É domingo e isso é um prédio!
- Tenho permissão, senhor - disse ele, ainda sorridente, abrindo a pasta e mostrando os produtos - O que acha dessa miniatura de dragão chinês, ou dessa incrível máscara antigás? É uma penchia..!.
- Vá pra putaquepariu - respondeu, fechando a porta e a trancando. A campainha soou novamente, mas ele a ignorou. Umas duas vezes depois, ela parou.
O homem voltou a jogar seu playstation, agora acompanhando um copo de coca cola e uma ruffles.

E assim foi o resto de seu domingo.

Chovia naquela tarde, muito. O homem de terno parava no ponto de ônibus, com seu guarda chuva de plástico aberto sobre sua cabeça.
A água caía torrencialmente
...
Ele olhou pra cima, seu bigode preto úmido. Gotas caíram na lente de seu óculos.
Preto e branco. E cinza. Imaginem somente essas cores. E imaginem também Charles Chaplin.

A chuva caía nos óculos do senhor.
Ele os removeu e enxugou as lentes por dentro, colocando-os novamente. Enxergava melhor agora. Tão melhor.
Seu guarda chuva de plástico continuava lá encima, protegendo-o da água novamente. E as pessoas passavam com seus guardas chuvas de ferro. Ele não gostava de nada feito com ferro.
Ah, libertem-se olhos e assim da prisão da carne
Ele disse baixo essas palavras. Mas a chuva continuava a cair torrencialmente, e seu guarda chuva de plástico começava a demonstrar sinais de que não agüentaria a chegada do ônibus.
Suas pernas estavam encharcadas, e sentiu vontade de tirar os sapatos e meias, mas não podia. Tinha de ir trabalhar.
Duas horas já tinha dado no relógio. O transporte estava atrasado. Novamente, em dias de chuva. A rua estava começando a encher.
Olhou de novo para seu relógio de pulso, e caíram gotas no vidro. Mas infelizmente ele não as podia limpar por dentro, então elas ficaram daquele modo.
Seus guarda chuva de plástico cedeu então, quebrando. Ele começou a sentir a chuva na cabeça e no paletó, e continuava vendo todos aqueles guardas-chuva de ferro passarem de lá pra cá... de cá pra lá...
O ônibus cruzou a esquina. Ele já estava um tanto encharcado.

Ele entrou no ônibus, junto com todos aqueles guarda-chuvas de plástico.

Monday, August 13, 2007

Seis Horas

Começou a sexta hora.

- Eu pensava demais que tava no fundo do poço. Esse foi meu maior problema.
- Cara, eu não penso, eu to...
- Larga a mão de ser egocêntrico. Eu tento lhe contar a história, ninguém mais que eu sabe o que vivi... Vivi na escuridão por anos porque eu pensava que estava no escuro. Você não percebe?
- Mas...
- Nada de "mas". Eu sei dos teus problemas, sei que são difíceis, mas você precisa continuar. Precisa erguer a cabeça e os punhos. E depoi que apanhar se levantar de novo.
- Você não pode falar nada, você também é triste, e deprimido, e...
- Mas EU sobrevivi! Será que você não entende? O sofrimento é inerente ao ser humano. TOdos temos parte dele. A força real está em saber viver bem apesar disso. Todos temos uma escuridão atrás de nós, mas só os fracos desistem da luz que está a frente. A vida é isso, correr e dar o máximo de si. Mesmo que por vez ou outra, tropece e seja engolido. Eu confio em você, você tem que começar a machar. Você tem que dar o seu melhor, senão nada dará o melhor de si a ti.
- EU confio em você. Enfrenta esse bicho, por tudo que você ama.


Cavalos correm pela praia, livres.
Você já viu um cavalo correndo livre?
Eu não. Nem em filme.

Essa é a estranheza da liberdade. Onde estão os cavalos na natureza? Na África só vemos zebras e outros quadrúpedes. E que sina é essa do cavalo domesticado? Cuja liberdade agora depende do dono totalmente, incapaz de se libertar dos arreios, vivendo no feno?

Os cavalos correm pela praia, livres.
Você já viu um cavalo correndo livre?
Ele já.

A montaria reduz em tempo a marcha, e logo devem alcançar o destino. O vento passa livre sobre os cabelos do cavaleiro, sentindo a liberdade. Tem sob seu domínio um animal muito maior e mais forte que ele, mas agora ele é o senhor. Ele é o livre
(Oprimir é liberdade)
e ele é o forte. O astuto. O sagaz.

Os cavalos relincham pela praia.
Você já viu um cavalo na praia?

Ele não pode mais segurar a opressão. A opressão o sufoca... porque ele tem de completá-la. Como uma droga ela se infiltrou na vida dele, e agora ele não pode fazer nada a não seguir a Sua vontade. Ele tem seu posto, seus deveres, e ficou tão fraco que não pode mais lutar contra o que acha errado. Sua boca mesmo discorda do que ele pensa. Ele virou uma marionete nas mãos do destino.

Uma onda sobe no mar.
Os cavalos estão livres.
Cavalos afogados de Poseidon.



Ele preparou o copo de água e deixou encima da mesa. As pílulas estavam ao lado, todas juntas.
O baseado não estava aceso ainda. O ritual deveria tomar seu devido tempo. Havia queijo, e vinho tinto da mais fina qualidade; e chocolate, e pão, e manteiga, e ovos e carne de porco defumada.
As velas eram a única fonte de luz. Ele esquentou a carne no microondas, encheu um copo com vinho, e tomou um longo gole. Comeu nacos do queijo e da carne; e fez lanches misturando-os com pão, manteiga e ovos. E acendeu o cigarro.
Tragou profundamente. Aproveitou toda a visão das velas e a mesa e aquela sensação mórbida que pairava no ar. Deprimiu-se, derramou uma gota d'água pelos olhos. O vinho fazia o efeito agora, e ele rodava. E tragava de novo. E pegou a caneta e escreveu.
Escreveu sua carta de despedida, falando das pessoas que amava, e das dores da vida, e principalmente, iniciou uma dissertação sobre drogas. Falou do álcool, e de como gostaria que todos os seus amigos e pessoas próximas ganhassem um trauma, para entenderem o que acontece de verdade; e derramou mais lágrimas, agora na folha. E queria seus amigos.
Terminou a maconha. Se dirigiu à mesa, ao copo, aos comprimidos e olhou longamente. Sua mente vagou pela vida toda, todos aqueles 19 anos de decepções, e tristeza e ódio. Misturou todos na água.

Segurou o copo.

(Ah, tristeza e vida)

Encostou o vidro na boca

(Seus olhos fitaram o nada, molhados)

Virou um pouco o copo. Os comprimidos pararam nos lábios fechados.




Tirou o copo da boca e o jogou na parede.