Monday, August 13, 2007

Seis Horas

Começou a sexta hora.

- Eu pensava demais que tava no fundo do poço. Esse foi meu maior problema.
- Cara, eu não penso, eu to...
- Larga a mão de ser egocêntrico. Eu tento lhe contar a história, ninguém mais que eu sabe o que vivi... Vivi na escuridão por anos porque eu pensava que estava no escuro. Você não percebe?
- Mas...
- Nada de "mas". Eu sei dos teus problemas, sei que são difíceis, mas você precisa continuar. Precisa erguer a cabeça e os punhos. E depoi que apanhar se levantar de novo.
- Você não pode falar nada, você também é triste, e deprimido, e...
- Mas EU sobrevivi! Será que você não entende? O sofrimento é inerente ao ser humano. TOdos temos parte dele. A força real está em saber viver bem apesar disso. Todos temos uma escuridão atrás de nós, mas só os fracos desistem da luz que está a frente. A vida é isso, correr e dar o máximo de si. Mesmo que por vez ou outra, tropece e seja engolido. Eu confio em você, você tem que começar a machar. Você tem que dar o seu melhor, senão nada dará o melhor de si a ti.
- EU confio em você. Enfrenta esse bicho, por tudo que você ama.


Cavalos correm pela praia, livres.
Você já viu um cavalo correndo livre?
Eu não. Nem em filme.

Essa é a estranheza da liberdade. Onde estão os cavalos na natureza? Na África só vemos zebras e outros quadrúpedes. E que sina é essa do cavalo domesticado? Cuja liberdade agora depende do dono totalmente, incapaz de se libertar dos arreios, vivendo no feno?

Os cavalos correm pela praia, livres.
Você já viu um cavalo correndo livre?
Ele já.

A montaria reduz em tempo a marcha, e logo devem alcançar o destino. O vento passa livre sobre os cabelos do cavaleiro, sentindo a liberdade. Tem sob seu domínio um animal muito maior e mais forte que ele, mas agora ele é o senhor. Ele é o livre
(Oprimir é liberdade)
e ele é o forte. O astuto. O sagaz.

Os cavalos relincham pela praia.
Você já viu um cavalo na praia?

Ele não pode mais segurar a opressão. A opressão o sufoca... porque ele tem de completá-la. Como uma droga ela se infiltrou na vida dele, e agora ele não pode fazer nada a não seguir a Sua vontade. Ele tem seu posto, seus deveres, e ficou tão fraco que não pode mais lutar contra o que acha errado. Sua boca mesmo discorda do que ele pensa. Ele virou uma marionete nas mãos do destino.

Uma onda sobe no mar.
Os cavalos estão livres.
Cavalos afogados de Poseidon.



Ele preparou o copo de água e deixou encima da mesa. As pílulas estavam ao lado, todas juntas.
O baseado não estava aceso ainda. O ritual deveria tomar seu devido tempo. Havia queijo, e vinho tinto da mais fina qualidade; e chocolate, e pão, e manteiga, e ovos e carne de porco defumada.
As velas eram a única fonte de luz. Ele esquentou a carne no microondas, encheu um copo com vinho, e tomou um longo gole. Comeu nacos do queijo e da carne; e fez lanches misturando-os com pão, manteiga e ovos. E acendeu o cigarro.
Tragou profundamente. Aproveitou toda a visão das velas e a mesa e aquela sensação mórbida que pairava no ar. Deprimiu-se, derramou uma gota d'água pelos olhos. O vinho fazia o efeito agora, e ele rodava. E tragava de novo. E pegou a caneta e escreveu.
Escreveu sua carta de despedida, falando das pessoas que amava, e das dores da vida, e principalmente, iniciou uma dissertação sobre drogas. Falou do álcool, e de como gostaria que todos os seus amigos e pessoas próximas ganhassem um trauma, para entenderem o que acontece de verdade; e derramou mais lágrimas, agora na folha. E queria seus amigos.
Terminou a maconha. Se dirigiu à mesa, ao copo, aos comprimidos e olhou longamente. Sua mente vagou pela vida toda, todos aqueles 19 anos de decepções, e tristeza e ódio. Misturou todos na água.

Segurou o copo.

(Ah, tristeza e vida)

Encostou o vidro na boca

(Seus olhos fitaram o nada, molhados)

Virou um pouco o copo. Os comprimidos pararam nos lábios fechados.




Tirou o copo da boca e o jogou na parede.

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