Soltou um peido alto. E outro. E outro...
Levantou-se coçando a barriga, com seus shorts de dormir esfarrapados e uma camiseta cinza desbotada com uma mancha de mostarda.
Desligou a TV, se dirigiu ao banheiro e sentou no vaso. Defecou longamente, num prazer fascinante, enquanto angariava informações em seu jornal "NotíciaJá".
Limpou o ânus; precisou até utilizar o bidê, tamanho havia sido o estrago. Secou-se apropriadamente, deu descarga, lavou as mãos como um gato toma banho, e voltou à sala.
Ligou seu Playstation 2 e ficou jogando. Horas depois, já com os olhos vermelhos, ouviu a campainha. Ao atendê-la, deu de cara com um homem de terno e pasta.
- Bom dia, senhor!
- São três da tarde - respondeu o nosso homem, com um bafo notável e uma aura de fedor saindo debaixo de seus braços - o que quer?
- Sou um vendedor! Tenho os prod...
- Perae, quem te dexo entra? É domingo e isso é um prédio!
- Tenho permissão, senhor - disse ele, ainda sorridente, abrindo a pasta e mostrando os produtos - O que acha dessa miniatura de dragão chinês, ou dessa incrível máscara antigás? É uma penchia..!.
- Vá pra putaquepariu - respondeu, fechando a porta e a trancando. A campainha soou novamente, mas ele a ignorou. Umas duas vezes depois, ela parou.
O homem voltou a jogar seu playstation, agora acompanhando um copo de coca cola e uma ruffles.
E assim foi o resto de seu domingo.
Chovia naquela tarde, muito. O homem de terno parava no ponto de ônibus, com seu guarda chuva de plástico aberto sobre sua cabeça.
A água caía torrencialmente
...
Ele olhou pra cima, seu bigode preto úmido. Gotas caíram na lente de seu óculos.
Preto e branco. E cinza. Imaginem somente essas cores. E imaginem também Charles Chaplin.
A chuva caía nos óculos do senhor.
Ele os removeu e enxugou as lentes por dentro, colocando-os novamente. Enxergava melhor agora. Tão melhor.
Seu guarda chuva de plástico continuava lá encima, protegendo-o da água novamente. E as pessoas passavam com seus guardas chuvas de ferro. Ele não gostava de nada feito com ferro.
Ah, libertem-se olhos e assim da prisão da carne
Ele disse baixo essas palavras. Mas a chuva continuava a cair torrencialmente, e seu guarda chuva de plástico começava a demonstrar sinais de que não agüentaria a chegada do ônibus.
Suas pernas estavam encharcadas, e sentiu vontade de tirar os sapatos e meias, mas não podia. Tinha de ir trabalhar.
Duas horas já tinha dado no relógio. O transporte estava atrasado. Novamente, em dias de chuva. A rua estava começando a encher.
Olhou de novo para seu relógio de pulso, e caíram gotas no vidro. Mas infelizmente ele não as podia limpar por dentro, então elas ficaram daquele modo.
Seus guarda chuva de plástico cedeu então, quebrando. Ele começou a sentir a chuva na cabeça e no paletó, e continuava vendo todos aqueles guardas-chuva de ferro passarem de lá pra cá... de cá pra lá...
O ônibus cruzou a esquina. Ele já estava um tanto encharcado.
Ele entrou no ônibus, junto com todos aqueles guarda-chuvas de plástico.
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